domingo, 20 de junho de 2010

Viagem ao interior de si mesmo


"Onde vivem os monstros", com sua simplicidade extrema, é um dos filmes mais belos que assisti nos últimos tempos. Apesar de apelar para o irreal como forma de representar os tormentos que povoam a cabeça do garoto Max, a película é absurdamente humana. Pode ser infantil, com seus engraçados monstros, e pode ser profundamente adulta, o que me fez lembrar, inevitavelmente, o "Pequeno Príncipe".

Não trato aqui de fazer uma crítica ao filme, tampouco apresentá-lo como a "dica da semana". Não: assistam se assim o desejarem.

Apesar de explorar um tema bastante delicado - os conflitos interiores de um menino -, o faz de uma forma bonita. Não defendo a tese de que filmes, livros e qualquer outro tipo de arte tenha necessariamente que trazer, disfarçado em seu conteúdo, alguma mensagem ou ensinamento. Muitos dizem apenas o que realmente querem dizer e pronto. Mas, nesse caso, fica um sentimento de "vale a pena olhar para o lado de dentro". Ou, pelo menos, vale a pena tentar. É lá, às vezes, que está escondido o que insistimos cegamente em procurar aqui fora.

sexta-feira, 18 de junho de 2010

E agora, José?



"E agora, José?
A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José?
e agora, você?
você que é sem nome,
que zomba dos outros,
você que faz versos,
que ama, protesta?
e agora, José?"

(trecho de "José", de Carlos Drummond de Andrade)
O português José Saramago, 87 anos e um Prêmio Nobel de Literatura na bagagem, partiu hoje para - cara a cara - enfrentar o grande embate a que se propôs durante sua trajetória no universo das letras: duelar com deus. Ou, talvez a esta hora, já esteja novamente a negar a existência do criador, dissertando à própria sorte em longos e não-convencionais parágrafos.
Saramago empurrou uma densa escrita goela abaixo aos que se aventuraram por seus livros. Não arredou pé e manteve seu estilo de frases intermináveis e pontuação incerta até o fim. Muitos não tiveram estômago para digerir seus textos. Tiveram seus motivos. Mas os que seguiram em frente, foram agraciados com verdadeiras obras de arte, levando-se em conta que a verdadeira arte está mais para confundir, inquietar, do que para explicar qualquer coisa.
Fui realmente pego de surpresa com a notícia. Saramago foi, lá no tempo em que eu estudava Letras, um divisor de águas. Mudei como leitor nas primeiras páginas de "Ensaio sobre a cegueira". E, assim, mudei como (quase) escritor.
Não me refiro necessariamente ao caráter contestador de seus escritos. Talvez o que me tenha arrebatado tenha sido justamente sua veia alternativa, seus rodeios, e tudo que não tenha dito quando esperava que dissesse. Penso que cumpriu o papel de se mostrar humano: contraditório, polêmico e inexato. E, agora, morto.
Mas José Saramago seguiu pela estrada que aguarda a todos nós para, hora mais, hora menos, se arrastar sob nossos pés. O homem vai. O legado fica. Para o bem ou para o mal.