segunda-feira, 13 de agosto de 2012

Desfeito


Respiro os últimos espaços de ar.
Respiro pedaços de vento.
As ruas caminham sob meus pés;
em vão, meu corpo afronta o tempo: avança. Pára. Recua.

Minhas pernas bailam um tango arrevesado.
Confundo os pés com as mãos e vou.

Sigo em frente rechaçando teorias.
Tropeço em uma palavra não dita: maldita.
As ruas terminam em “T”,
dobram-se em “L”,
cruzam-se em “X”.
Penso que letra sou (fui?) eu...

Os nomes não existem; existe apenas o som.
Todo chamamento é música.
Não há resposta em silêncio.

O sol atravessa meus olhos, esconde-se em mim.
Invadida de luz, minha cabeça levita em delírio.
Respondo perguntas não perguntadas, aprisiono imagens.
Corro à frente do meu corpo para espreitá-lo na curva. Ele não chega.
Sinto-me perdido e liberto, estranhamente impessoal.

A cidade agora é um mar:
ressoam gritos de afogados, passos de peixes.
A sombra separa o mundo em dois mundos, engole os indecisos.
Subsisto em uma espera que se alonga em séculos e segundos.
Sinto nostalgia por algo que não conheci: a isso chamariam não-saudade.

Em um mapa desenhado de veias, desliza um líquido que não é sangue.
Rio de uma desgraça qualquer, não importa: somos todos idiotas.
Persigo pássaros que voam em câmera lenta, covardes.
Os absurdos tornam-se verdades; as verdades, lendas.

Respiro outro intervalo de ar, o derradeiro.
Dou o último passo e o primeiro.
Cheguei ao fim e ao início: as coisas não mudam. Mudam as bandeiras.
Por fim, reencontro meu corpo. Ignoro. Ele disfarça.
Já somos dois, um ausente do outro.
A própria certeza é incerta; inevitável é a dúvida.

Atravesso a fronteira invisível que me divide os pensamentos.
Eles, antes de mim, sentem-se livres.

(2006)