sexta-feira, 18 de junho de 2010

E agora, José?



"E agora, José?
A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José?
e agora, você?
você que é sem nome,
que zomba dos outros,
você que faz versos,
que ama, protesta?
e agora, José?"

(trecho de "José", de Carlos Drummond de Andrade)
O português José Saramago, 87 anos e um Prêmio Nobel de Literatura na bagagem, partiu hoje para - cara a cara - enfrentar o grande embate a que se propôs durante sua trajetória no universo das letras: duelar com deus. Ou, talvez a esta hora, já esteja novamente a negar a existência do criador, dissertando à própria sorte em longos e não-convencionais parágrafos.
Saramago empurrou uma densa escrita goela abaixo aos que se aventuraram por seus livros. Não arredou pé e manteve seu estilo de frases intermináveis e pontuação incerta até o fim. Muitos não tiveram estômago para digerir seus textos. Tiveram seus motivos. Mas os que seguiram em frente, foram agraciados com verdadeiras obras de arte, levando-se em conta que a verdadeira arte está mais para confundir, inquietar, do que para explicar qualquer coisa.
Fui realmente pego de surpresa com a notícia. Saramago foi, lá no tempo em que eu estudava Letras, um divisor de águas. Mudei como leitor nas primeiras páginas de "Ensaio sobre a cegueira". E, assim, mudei como (quase) escritor.
Não me refiro necessariamente ao caráter contestador de seus escritos. Talvez o que me tenha arrebatado tenha sido justamente sua veia alternativa, seus rodeios, e tudo que não tenha dito quando esperava que dissesse. Penso que cumpriu o papel de se mostrar humano: contraditório, polêmico e inexato. E, agora, morto.
Mas José Saramago seguiu pela estrada que aguarda a todos nós para, hora mais, hora menos, se arrastar sob nossos pés. O homem vai. O legado fica. Para o bem ou para o mal.

Um comentário:

  1. Exceto pelo Ensaio que assisti, não me recordo de grandes momentos de ler ele. Parte, incompetência minha mesmo em ler mais, parte em dedicar incontáveis horas em outros tipos de leitura. Mas, claro, ao seu modo, é indiscutível que foi uma pessoa que influenciou diversas cabeças. Não a minha, não agora, quem sabe, um dia...

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