Brotou-me – como se houvesse mastigado uma flor azeda – um misto de
melancolia e embrulho estomacal. Lembrei do outono amarelo, dos domingos
perdidos, das corridas na chuva. Imaginei-me uma peça humana de xadrez, onde
apenas a rainha é feita de algo como porcelana ou leite desnatado congelado.
Apartei-me inconscientemente de uns braços que agora insistiam em
mover-se contrários ao desejo da mente, retendo-me como posse. Eu, que sequer
sei ser de mim, já não estava disposto a apenas não ser de alguém. Deslizei
sutilmente pela mistura de lágrimas e suor que nos envolvia.
Voltaram rebobinadas à minha boca as palavras (mal)ditas que haviam
sido cuspidas em horas de gozo. Misturaram-se na memória, já entorpecida de
tantos desamores bebidos em copos baratos, cenas de outros filmes. Descobri que
somente a pele da vida é colorida.
Ela agarrou-se a mim como se eu fosse já um defunto, na última e
angustiante tentativa de julgar-nos inocentes ou culpados aos dois, sem
exceção. De longe, um outro eu, já agarrado a uma nova mochila de sonhos
idiotas, fotografava mentalmente o que parecia ser a negação de um abraço.
Não hesitei e segui. Na primeira estação fantasma, após doses e doses
de aguardente diluidora de lembranças, embarquei em um trem invisível, famoso
pela sua estrada de ferro em círculo. (...)
(da gaveta)
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